Dizia Zygmunt Bauman em Europa. Una aventura inacabada que “o passado pirómano da Europa pode ser causa válida de uma comprida reflexão e de sentimentos de culpa, mas os dedos chamuscados bem podem constituir uma vantagem. Podem evitar-lhe a tentação de jogar com lume e de amorear bocois de pólvora”. Com Étienne Balibar concordava em que trás centos de anos de matanças religiosas, étnicas, tribais de raça ou de classe, de cruzadas santas e profanas que com o passo do tempo se parecem demasiado a fratricídios, chegou o tempo do acordar que as guerras não são permisíbeis na acção política. Um momento no que as preocupações e os esforços internos de Europa empatam com a lição cada vez mais óbvia da interdependência humana; no que a crescente consciência da realidade e as barbáries da história colonial converge com o poderoso processo de hibridação e multiculturalismo que depois da longa relação com o resto do mundo está transformando a Europa, levando-a a admitir que os outros constituen um componente necessário da sua identidade. Para el, é ainda possível a solidariedade mundial e a criação de um marco no que acomodar a variedade de formas de vida humana para se relacionarem pacificamente, sendo isto um assunto de vida ou morte tanto para os que passam necessidades como para os que estão sobrados de recursos. “Graças a sua história singular, Europa encontra-se em melhor situação que nengún outro sector da humanidade” para insistir em que para viver juntos num planeta de interdependências, não existe mais alternativa viável e plausíbel que o direito a uma vida segura e digna, posto que a segurança e o bem-estar de uma parte do mundo não se pode conseguir se não é para todos.
Sem deixar de lado os fratricídios “tão injustos e ruíns e pouco heróicos como crueis e ferozes” que fazem parte da história do continente, Bauman formulou uma visão complementar, achando que a identidade da Europa sempre respondeu à tendência a ir correndo detrás de uma identidade que se mantinha teimudamente por diante dos seus perseguidores. Estaria sempre pugnando por achegar-se a um estado que acreditava bó e desexábel, definindo-se mais que por qualquer outra das suas características, polos valores que os europeus apreciam, adquirindo o seu sentido só se incluem a todo mundo e se aplicam à humanidade no seu conjunto.
Tzvetan Todorov, em Lê noveau desordre mondial, situou os valores dessa identidade na racionalidade, a justiça e a democracia. A racionalidade, apesar dos actos irracionais que cobrem a sua história, indo a Europa que existe por detrás da que quereria ser, permanecendo duradoiramente a crítica e o descontentamento. A justiça, que mostra o seu verdadeiro valor quando se utiliza contra os veredictos da razão do momento e revela a sua verdadeira força quando a sociedade é acusada de injustiça, inequidade, favoritismo, falcatruadas ou tendenciosidade, sendo a sociedade justa quando não se cré suficientemente justa. A democracia, com a consciência de uma sociedade autónoma ter como sustento a vontade dos seus membros vivos, significando que a tarefa do cidadãos nunca está completa e que “a democracia se fundamenta na liberdade dos cidadãos e estes baseiam a sua confiança em serem livres.
Ao igual que as instituições estatais, a UE evoluiu guiada por valores e interesses concretos e sujeita à incerteza sobre o final da aventura. Para alumiar o sentido do caminho e os objectivos e resultados da construção, Bauman para mentes em Reinhard Kosseleck utilizando a metáfora do porto de montanha: “como os nossos ancestros há três séculos estamos na costa arriba de um porto de montanha polo que nunca subíramos, de maneira que não temos ideia de que tipo de vista teremos ao chegar ao cume. Só quando cheguemos (se o fazemos) e vejamos a paisagem do outro lado será o momento de mover-nos, mais que empurrados, atraídos cara adiante polas visões, os propósitos e os destinos que escolhimos”. Nen siquer temos os conceitos com que expressar o que esperamos, formando-se com a prática da escalada e não antes, sem que isto queira dizer que os escaladores devam deter-se. No caso dos europeus, rematava, “é mui pouco provável que que se detenham” conhecendo esperanças “que não são em absoluto vás, que estão enraizadas na sua vida diária e que se manifestam de maneira mais temível nos momentos de crise”, lembrando as manifestações de 15 de Fevereiro de 2003 contra a guerra de Iraque. Só assim se poderan manter os valores que alumian as ambições e as búsquedas da Europa, dixo lembrando a Kafka quando deixou escrito sobre o porvir, a modo de premonição, advertência e estímulo, que se entras na casa e percorres corredores, abres portas, sobes pisos, “e não encontras nada”, deves esforçar-te e seguir subindo a escada: “entanto que não deixes de subir não se terminam os degraus: crescem baixo os teus pés que sobem”.
Neste momento de crise global provocada pola política económico-financeira e o militarismo impostos desde Washington e Wall Street, quando desde campos muito diversos e contraditórios o posto em causa não são esses centros de poder senão, paradoxalmente, o modelo de convivência da UE e mesmo o seu carácter de primeira potência económica mundial, é bó lembrar a esperançada ânsia de Jürgen Habermas reclamando em Ay, Europa! uma União política que não deixe “o campo livre à dinâmica dos mercados desatados”, numa simples zona de comércio livre, e disponha da capacidade para tomar decisões na política exterior, desempenhando junto com os demais actores mundiais um papel na cena internacional, no marco da ONU, desprendendo-se de EEUU, o “sócio superior”, e permanecendo fiel a suas ideias sobre o direito internacional.
Camilo Nogueira Román naceu en Lavadores (Vigo) en 1936. Enxeñeiro industrial e economista, foi eurodeputado polo BNG entre os anos 1999 e 2004.